11 de junho de 2011

Da Carta ao Funeral

A CARTA

“Essa carta poderá nunca chegar ao seu destino final, ou pelo menos ao destino que escolhi para ela. Talvez suas palavras acabem por não serem ouvidas, seus sentimentos nunca correspondidos, sua face nunca percebida. Não importa, seja qual for o desenrolar dessa história, o que ali havia precisava ser lido.

Numa garrafa levada pelas águas do mar, através de palavras, um pouco de mim seria entregue a alguém que ao longe se encontrava, independente do que isso poderia para ele representar.

Talvez eu não o conheça em sua totalidade, mas o que em parte conheço já fez com que meu coração tomasse em si a decisão de querê-lo por perto.”

A REMETENTE

Ella esquecera novamente de trancar bem as portas e janelas de seu coração, assim, alguém entrou sem pedir licença e dentro dele resolveu se abrigar. Sempre que Ella parecia estar bem, saía pela estrada sem a proteção de sua armadura... Para sua falta de sorte, era justamente nesses momentos que o menino loirinho de arco e flecha resolvia atacá-la.

Envolvida pela emoção, Ella perdera novamente o domínio de sua razão e sua sorte estaria novamente lançada ao vento. Como é de certo, jogaria pérolas aos porcos, como era de seu costume.

A CONFISSÃO

“Nunca minhas mãos puderam tocar àquela face, mesmo assim era aquele rosto que eu via sempre que colocava minha cabeça sobre o travesseiro. Meus ouvidos desejavam ouvir aquela voz, e quando assim não se podia fazer, eis que na lembrança era possível escutar o som das canções que ele já havia cantado.

O suor na palma das mãos, aquele frio na barriga, as borboletas que faziam acrobacias dentro do estomago sempre que aquelas cinco letras eram citadas (mesmo quando para se referir a outro de mesmo nome) eram todos indícios de uma paixão.”

EXTRAVIO DO DESTINATÁRIO

Uma linha de silenciosas reticências foi a resposta que obtive.

Ele entendera o que eu sentia? Ele teria Alguém? Haveria um depois após aquele pontilhado?
Dúvida, Medo e Solidão... Mais dia menos dia, eu sabia que eles voltariam a tomar aquela forma asquerosa e sombria aqui junto de mim. Por onde quer que eu fosse eles iriam ao meu lado, fosse dia ou noite, Eles não me deixariam em paz.

Com o tempo, eu já não mais conseguia ir além dos quatro cantos de meu quarto, e este passava todas as horas do dia em profunda escuridão, a não ser pela vela acesa que me fazia enxergar algo a mais que Àqueles vultos.

Sentia frio, mas, não era um frio qualquer. Não era minha pele que sentia tal sensação, era minha alma que cada vez mais parecia congelar. Um vazio, uma dor, uma lágrima, sinais de meu castigo perpétuo.

Logo, todos que me procuravam deixaram de assim fazer. E tão somente Eles permaneceram cá comigo, em meio ao luto que se eternizava por além das estações. Caíram às folhas, brotaram as flores, secaram os rios e a chuva voltara a enchê-los... Quanto a mim, sucumbir é o que restava.

O silêncio era quebrado sempre que os gemidos Deles começam a soar mais alto, mais forte, e de tão perto pareciam estar dentro de mim. Meu corpo franzino aparentava perder toda a aparência de algo vivo e meus lábios não mais soltaram nem um grunhido, tão menos voz. Cumpria em vida minha sentença de morte.

Foi-me tomado a alegria, a vitalidade, o calor, e qualquer forma de sentimento que se aproximava do que seria Amor. Agora eu era só um morto em vestes de um vivo, e um vivo que se via entregue as mãos da Senhora da Noite.
O FUNERAL

Naquela manhã de sexta-feira, eles desapareceram. Não sei como nem para onde, nem frio eu agora sentia. O que teria havido então? Aproximei-me daquela janela e logo pude ver um cortejo que se aproximava ao longe, reconheci a face de alguns que ali vinham carregando grandes coroas de flores. Então veio o susto: Eu estava lá.

Em meio a todos eu era a única face que não apresentava descontentamento para com o trágico final do agora defunto. Eu o conhecia, por dias eu estive ao seu lado, alimentando Ele, fazendo com que Ele crescesse. Eu havia despertado sorrisos, inúmero carinho lhe dediquei.

As primeiras pás de terra foram lançadas sobre seu caixão, os rostos que o cercava estavam indiferente a tudo aquilo. Eu era a única que de fato poderia estar aos prantos por aquela perda, mas não era isso o que eu sentia. Apesar de não ser o maior de todos os risos, havia uma sensação diferente que fazia meus lábios se moverem para um lado da face.

Toda aquela dor, a exclusão de mim mesma, era na verdade um estágio que eu cumpria para largar aquele casulo e soltar minhas asas sobre o verde dos vales mais distantes.

Sepultei a esperança de tê-lo alguma vez em meus braços, e com Ele, enterrei todo o sentimento que poderia me levar a caminhar novamente sobre areia movediça.